Páginas

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

"Se você não existisse, que falta faria?"

Li este texto recentemente e desde então fiquei com partes dele rodando minha cabeça e a vontade de publicar aqui neste espaço para dividir com quem passa no blog. São palavras que traduzem e transmitem muito do que acredito.

"Sempre é tempo de balanço, de rever trajetórias, de refazer ecolhas. Esta época do ano nos chama especialmente para isso. Depois da correria das compras, dos encontros, dos comes e bebes, conseguimos um intervalo para a reflexão? Para nos perguntar: afinal, o que estamos fazendo nesta vida? Existe lugar para a espiritualidade em meio a tanta agitação? Essa época do ano é de "comemorar". Gosto desta palavra porque "comemorar" significa "lembrar junto". E do que nós lembramos? De que estamos vivos, partilhamos a vida, de que a vida não pode ser desertificada. Claro que, a todo instante, está colocada também a possibilidade de que a vida cesse. Somos o único animal que sabe que um dia vai morrer. Aquele gato, que dorme ali, vive cada dia como se fosse o último. Isso significa que você eu, como humanos, deveríamos ter a tentação de não desperdição a vida. Como diz a frase de Benjamin Disraeli (1º ministro britânico no séc. 19), "A vida é muito curta para ser pequena".

Mas como não apequenar a vida? Dando-lhe sentido. A espiritualidade ou religiosidade é uma das maneiras de fazê-lo. A religiosidade não necessariamente a religião. Religiosidade que se manifesta como convivência, fraternidade, partilha, agradecimento, homenagem a uma vida que explode de beleza. Isso não significa viver sem dificuldades, problemas, atribulações. Mas, sim, que, apesar disso tudo, vale a pena viver. Tente responder uma pergunta: "Se você não existisse, que falta faria?" Eu quero fazer falta. Não quero ser esquecida...

Religiosidade é uma manifestação da sacralidade da existência, uma vibração da amorosidade da vida. E também o sentimento que temos da nossa conexão com esse mistério, com essa dádiva. Algumas pessoas canalizam a religiosidade para uma forma institucionalizada, com ritos, livros - a isso se chama religião. Mas há muita gente com intensa religiosidade que não tem uma religião. Nunca houve registro na história humana de ausência de religiosidade. Todos os primeiros sinais de humanidade que encontramos estão ligados à religiosidade e à idéia de nossa vinculação com uma obra maior, da qual faríamos parte.

Existe uma grande questão que é trabalhada pela ciência, pela arte, pela filosofia e pela religião. A pergunta "Por que as coisas existem? Por que existimos? Qual é o sentido da existência? Há quatro grandes respostas: o da ciência, o da arte, o da filosofia e o da religião. De maneira geral, a ciência busca os "cosmos". A arte, a filosofia e a religião buscam os "porquês", o sentido. São uma recusa à idéia de que sejamos apenas o resultado da junção casual de átomos, de que sejamos apenas uma unidade de carbono e de que estejamos aqui só de passagem. Acho que seria muito fútil se assim fosse. Eu me recuso a ser apenas algo que passa. Eu desejo que exista entre mim e o resto da vibração da vida uma conexão. Essa conexão é exatamente a construção do sentido: eu existo para fazer a existência vibrar. E ela vibra em mim, no outro, na natureza, na história.

O divino, o sagrado, pode ganhar muitos nomes. Pode ser Deus no sentido judaico-cristão-islâmico da palavra; pode ser deuses; pode ser uma vibração, uma iluminação. Independente de como o denominamos, há algo que reconhecemos como transcendente, que ultrapassa a coisificação do mundo e a materialidade da vida, que faz com que haja importância em tudo que existe. Desse ponto de vista, não basta que eu me conecte com os outros ou com a natureza. Preciso fazer uma incursão no interior de mim mesmo, em busca da vida que vibra em mim e da fonte dessa vida. É essa fonte que alguns chamam de Deus. A conexão com essa fonte é aquilo que os gregos chamavam de simpatheia, que significa simpatia. Trata-se de buscar uma relação simpática com o divino.

A busca dessa relação pode ser feita de várias maneiras. Na forma de um agradecimento, na forma de um pedido. Às vezes , por meio de uma oração consagrada pela tradição, pois o rito reforça o mito. Às vezes recorrendo a um gesto espontâneo, como fazer uma oração em silêncio por gratidão ou por apelo...

Passamos por vários momentos de inflexão, digamos, coletiva. Quem não se lembra do 11 de setembro? Do tsunami? Dos grandes acidentes aéreos com a Gol e a Tam? Da fúria da natureza com chuvas, alagamentos e agora o terremoto no Haiti? São momentos em que pensamos: eu podia estar naquele vôo e o que eu fiz até agora? Toda a ânsia que caracteriza a vida começa a ser relativizada.

O século 20 nos prometeu a felicidade iluminada e ofereceu angústia. Em prol da propriedade, sacrificou-se a vida, a convivência, a consciência. O stress tornou-se generalizado, afetando adultos, jovens e até crianças. Há uma grande diferença entre cansaço e stress. O cansaço resulta de um trabalho intenso, mas com sentido; o stress, de um trabalho cuja razão não se compreende. O cansaço vai embora com uma noite de sono;o stress fica.

A tecnologia nos proporcionou a velocidade. Mas, em vez de usá-la apenas para fazer coisas rapidamente, nós passamos a viver apressadamente. Existe também a diferença entre velocidade e pressa. Eu quero velocidade para ser atendido no restaurante, mas não quero comer apressadamente. Quero velocidade para encontrar quem eu amo, mas não quero pressa na convivência. Tempo é uma questão de prioridades. Muita gente argmenta não ter tempo para espiritualidade, para cuidar do corpo. E segue nesse ritmo apressado até sofrer um infarto. Se não for fatal, o infarto funciona (ou pelo menos deveria) como um sinal de alerta. O dia continua a ter 24 horas, mas quem sobrevive passa a acordar mais cedo para caminhar e se exercitar. O impulso espiritual também é um sinal de alerta. Não há pressa em segui-lo. Mas cuidado: é muito arriscado adiar indefinidamente...". Não adie seu encontro com a espiritualidade.

O texto foi editado e é quase todo parte da entrevista de Mario Sergio Cortella, filósofo, professor universitário de educação, conferencista em instituições públicas, empresas e Ongs, autor de 10 livros (Revista Claudia - dezembro 2009 - Não adie seu encontro com a espiritualidade - páginas 34 a 37)

2 comentários:

Que bom que passou por aqui! Não vá embora sem deixar seu recado, ok?